O
habitar na pandemia
O tempo de
confinamento durou mais do que se previa por aqui. E depois de todo esse
período em casa, certamente o habitar ganhou algum protagonismo em nossas
vidas. Sem querer romantizar a pandemia, é possível que muitos de nós tenha
encontrado algum interesse novo ou há muito esquecido nessas horas em casa,
como cuidar de plantas, fazer pão, pendurar quadros na parede ou fazer uma boa
faxina nas coisas e memórias há muito guardadas.
Muitos teóricos
da arquitetura têm nos últimos anos destacado a importância da criação de
espaços públicos de convivência, como Jan
Gehl, autor do livro “Cidades para pessoas”. De fato, não há como
discordar que uma cidade que respeita a escala humana, oferece uma melhor
qualidade de vida. Mas, e quando a cidade silencia e somos obrigados a passar
muito tempo reclusos em nossa casa? Está sendo esta uma experiência agradável?
É neste ponto que arquitetura e psicologia se convergem. O habitar não é apenas
uma construção concreta, não é um substantivo, é um verbo, ou seja, é um
exercício diário quem implica abrigo, aconchego e convivência afetiva.
Não somos seres
naturais, baseados em instintos. Nós não nos adaptamos ao mundo, nós criamos o
mundo, modificamos a natureza, e construímos os nossos abrigos. O habitar é uma
atividade eminentemente humana. Se a cidade, o bairro, tem mais esse exercício
da convivência social, é na casa que o espaço do íntimo está mais propício. É o
espaço onde se pode também viver com mais propriedade a solidão (mesmo que os filhos
insistam em contradizer isso!).
Solidão não como
sinônimo de tristeza, mas como uma grande oportunidade para a investigação de
nós mesmos, de nos encontrarmos com nossos medos. E nesses tempos em casa
talvez seja válido baixar um pouco a pulsão escópica de ver lives e se encontrar também com os
silêncios e sons. Passar um tempo escutando boas músicas, sem imagens, sem TV
no mute, pode ser uma atividade muito
prazerosa.
Muitas pessoas
têm vivido esse período como uma grande pausa, uma grande espera, para voltar à
antiga vida. Mas não se “volta” pra lugar algum, a vida continua acontecendo
mesmo quando a gente não bate ponto. Se não fosse a pandemia, seria outra
coisa, e tudo isso é vida, é tempo de vida, “cheia de momentos bons e de
momentos maus”. E cuidar da sua morada é uma das melhores formas de desfrutar o
tempo de vida; cuidar da casa é cuidar de si.
Criar um lar agradável não tem nada
a ver com dinheiro. Às vezes, deixa-se de decorar um cantinho esperando o
momento ideal para ter uma coisa perfeita. Mas casa, assim como nós, não tem
nada a ver com perfeição. Aliás, Drummond, em seu poema “casa arrumada”, diz
lindamente, como só os poetas sabem dizer, do que se trata uma casa com vida.
Poema completo no link: https://www.pensador.com/casa_arrumada/
Texto de Giovana Reis Mesquita
Psicóloga do TRE-BA
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